Doentes mentais que cometeram crimes no Brasil ficarão detidos pelo menos 3,5 anos além do tempo necessário. Essa é a média nacional de atraso na realização de dois laudos médicos fundamentais no processo judicial. No caso do exame psiquiátrico, que atesta a insanidade mental, enquanto a legislação dá prazo de 45 dias, ele só é finalizado em mais de 11 meses. Em caso de ser positivo e aceito pelo juiz, o condenado permanece na unidade de custódia e tratamento, um híbrido de cadeia e hospital, cumprindo a medida de segurança aplicada no lugar da pena. E só sai de lá com o teste de cessação de periculosidade, que deveria ser feito anualmente, de acordo com a lei. Na vida real dos manicômios judiciários brasileiros, a espera é de 32 meses.
As médias do tempo de atraso escondem situações muito mais
escandalosas. No Centro de Apoio Médico e Pericial de Ribeirão das Neves, na
Região Metropolitana de Belo Horizonte, a demora para um exame de cessação de
periculosidade beira os sete anos. Quarenta e um por cento dos testes no Brasil
estão atrasados. Os dados constam do primeiro censo sobre quem vive nos manicômios
judiciários no país, financiado pelo Ministério da Justiça. Coordenadora da
pesquisa, a antropóloga Débora Diniz ressalta o quadro de ilegalidade
constatado. “As garantias mínimas devidas a essa população como laudos em dia e
cumprimento de sentenças de desinternação são ignoradas”, afirma. “Os
resultados exigem uma ação imediata do Estado”.
Embora o estudo não tenha se debruçado sobre a qualidade dos
exames médicos que podem definir o destino de um doente mental, a falta de
eletroencefalograma nos diagnósticos de epilepsia chamou atenção. Somente 7%
dos 97 internos com tal desordem neurológica descrita em seus laudos passaram
pelo exame. “Diferentemente de outras enfermidades, cujos diagnósticos são
elaborados por entrevistas e obsevação, um tipo clínico de epilpsia, que
acarreta movimentos impulsivos, tem de ser verificado pelo exame de imagem”,
explica o psiquiatra forense Talvane Moraes, membro da Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP). “O pior é que estamos falando de uma população que nem sabe
reivindicar seus direitos, denunciar as violações sofridas”.
Não há um único responsável pelos entraves do processo ao
qual os loucos infratores se submetem. Mesmo sendo 3.989 pessoas no Brasil, número
bem inferior aos mais de meio milhão de detentos comuns, a engrenagem do
sistema é falha em vários aspectos. Faltam peritos e equipamentos para fazer os
laudos psiquiátricos. O tratamento dentro das instituições nem sempre é o
adequado, sem falar nas condições físicas dos locais. Quando o paciente
consegue passar por tudo isso, vem a morosidade da Justiça. Diretor do Hospital
de Custódia da Bahia, Paulo Guimarães Barreto abre o arquivo da instituição,
atualizado diariamente, e enumera: “Há um aqui com laudo feito em 2009 e até
agora sem manifestação do juiz. Outro tem laudo de janeiro de 2011, outro de
julho de Quase 20% dos internos de manicômios judiciários sentenciados depois da Lei 10.216/2001, que estabeleceu no país os direitos dos doentes mentais, receberam medida de segurança por tempo indeterminado. Pela lei, a medida, que é o tratamento psiquiátrico determinado pela Justiça em virtude de delitos cometidos, tem que indicar um período mínimo de internação, de um a três anos. Depois desse tempo, o paciente passa por exame de cessação de periculosidade anualmente até ter condições de ganhar a liberdade.
Para 17% dos sentenciados neste século, porém, a falta de perspectiva de saída foi carimbada pelo Estado. “Foi um achado surpreendente verificarmos, nos dossiês de internos, a falta do período de internação. O que podemos concluir é que a reforma psiquiátrica não alcançou os hospitais de custódia. Apesar de mais de uma década dessa lei, ainda estamos falando de uma população esquecida, silenciada e abandonada por um descaso histórico”, afirma a antropóloga Débora Diniz, que coordenou o estudo.
Fonte: Jornal Estado de Minas
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